Dia seis de agosto, dia de festa. Faz 114 anos que Plácido de Castro à frente de trinta e três seringueiros iniciava a ultima e vitoriosa fase da Revolução Acreana em Xapuri. Porém antes mesmo de tentar entender o significado desta data para os atuais acreanos, é preciso voltar mais um pouco no tempo.
O movimento revolucionário que afligiu os altos rios acreanos havia sido iniciado três anos antes, quando ao tentar dominar definitivamente os vales do Acre, do Iaco e do Purus, as autoridades bolivianas haviam causado profundo descontentamento na população brasileira que habitava a região. Por isso, em 1º de maio de 1899 foi deflagrada a “Primeira Insurreição Acreana” quando foram expulsos de Puerto Alonso, local escolhido para instalar a alfândega boliviana, todos os bolivianos que dali cobravam impostos sobre a borracha e tentavam instalar o governo da Bolívia sobre a região.
Poucos meses depois, os revolucionários decidiram avançar mais em seu movimento, já que o governo federal brasileiro continuava reconhecendo a posse boliviana sobre os vales acreanos. Para tanto, em 14 de julho de 1899, foi proclamado o “Estado Independente do Acre” e o espanhol Luiz Galvez foi aclamado como seu presidente. Com isso, os habitantes do Acre pretendiam tornar a região um território litigioso o que provocaria, inevitavelmente, a revisão da posição oficial do governo federal. Porém essa tentativa foi infrutífera e as forças armadas brasileiras dirigiram-se ao Acre para depor o cidadão Galvez e devolver à Bolívia a posse daquelas terras tão ricas e ambicionadas.
É preciso lembrar, também, que a república brasileira do fim do século passado não era nenhum primor de desenvolvimento ou de integração entre os diversos estados. Tanto assim, que o governo do Estado do Amazonas, insatisfeito com a posição do governo federal, que só beneficiava os cafeicultores do sul, resolveu financiar uma nova expedição revolucionária ao Acre. E para isso contou com o apoio de diversos proprietários que haviam participado dos eventos anteriores. Porém, a “Expedição dos Poetas” fracassou completamente devido às profundas divergências que dividiam seus integrantes.
Mais uma vez o Acre ficava sob domínio total da Bolívia. Quando chegou a notícia de que haviam sido concluídas as negociações entre um sindicato formado por capitalistas ingleses e norte-americanos e o governo boliviano. O Bolivian Syndicate iria arrendar e explorar as terras acreanas, inclusive com poder militar sobre elas. Isso causou um profundo temor em toda a população do Acre que via surgir agora a ameaça da intervenção de fortes países desenvolvidos contra os quais a luta seria quase impossível. Foi nesse contexto que a região do Alto Acre resolveu aderir definitivamente ao movimento revolucionário, já que até aqui, o principal palco dos acontecimentos havia sido o Baixo Acre. Tornava-se, então, possível deflagrar a luta armada.
Curiosamente Plácido de Castro, convidado para comandar a campanha militar, já que possuía experiência anterior, não queria começar a campanha por Mariscal Sucre (como era chamada a atual Xapuri), mas sim por Puerto Alonso (ver box), mas foi convencido do contrário pelos líderes da revolução, especialmente Joaquim Vitor e Rodrigo de Carvalho. Do mesmo modo, Plácido pretendia deflagrar o movimento no dia 14 de julho, mesma data escolhida por Galvez para a proclamação do Estado Independente, três anos antes. Porém, o atraso na chegada das armas que seriam utilizadas na luta, levou ao adiamento da iniciativa. Foi escolhida então a data comemorativa, também por seu simbolismo, da Independência da Bolívia, dia 06 de agosto.
Conta nossa história oficial que no dia marcado, antes do raiar do dia, Plácido de Castro à frente de seu pelotão de seringueiros postados estrategicamente em frente das três casas que serviam como abrigo às forças bolivianas, acordou o comandante D. Juan de Dios Barrientos, que atordoado pensou tratar-se já do início das festas pela passagem do dia da independência boliviana e abrindo a porta exclamou:
- Es Temprano para la fiesta.
Ao que respondeu Plácido com determinação:
- Não é festa, Sr. Intendente, é Revolução !
Começava assim, sem o disparo de nenhum tiro, a fase mais sangrenta da Revolução Acreana.
Hoje, passados cento e oito anos, daquele memorável dia seis de agosto, devemos refletir sobre a herança que recebemos dessa história de lutas, derrotas e vitórias, que mobilizou homens de todos os tipos e
classes sociais com o objetivo de não perder suas nacionalidades.Mais do que conseguir manter sua cidadania brasileira, os revolucionários, criaram uma nova identidade. Foi a partir da Revolução Acreana que aqueles brasileiros tornaram-se acreanos e passaram a defender essa condição ao longo dos 114 anos posteriores.
“É interessante notar as profundas semelhanças entre a revolução de Galvez e a de Plácido de Castro. Veja-se o paralelo em quase todos os atos administrativos do Estado do Acre de um e do outro. Plácido escolheu a data de 14 de julho para o início do movimento. Na mesma data Galvez iniciava a sua república. Plácido queria primeiro atacar Puerto Alonso, onde Galvez irrompeu seu motim, sem um tiro, para aí instalar o seu governo. Os limites geográficos de um e de outro Estado são quase os mesmos. A bandeira decretada por Galvez foi integralmente adotada por Plácido. A estrutura administrativa do governo de Galvez serviu de modelo a Plácido, para instalar o seu. Os dois instituem com o mesmo nome o “Estado Independente do Acre”. A capital do Estado, Cidade do Acre, nomenclatura emprestada por Galvez a Puerto Alonso, é mantida por Plácido de Castro. A intenção de pedir ao Governo brasileiro a anexação do Acre foi uma constante nos dois chefes.”
(Tocantins, Formação Histórica do Acre, 1979, pág. 102)
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